Palestra realizada nesta semana para Organizações da Sociedade Civil
O (A) EDUCADOR (A) SOCIAL:
QUESABERES? QUEFAZERES?
Marilene Alencastro[1]
Ser Educador (a) social na
contemporaneidade é um grande desafio, principalmente, quando os índices de
desigualdade, exclusão e a violência crescem de forma assustadora e complexa, fruto
da modernidade que valoriza a racionalização e a subjetivação. Em outras
palavras, tempos difíceis no qual somos lançados em um mundo esfacelado e dualizado
entre a beleza da visão das coisas e a feiura moral dos tempos. Acreditamos que
além da curva existe, deve existir, tem
de existir uma terra hospitaleira em que se fixar, mas depois de cada curva
surgem novas curvas, com novas frustrações e novas esperanças ainda não
destroçadas (Bauman, 1998).
Deste modo, reconhecendo a realidade
da sua atuação e da sua tarefa nestes tempos de mal-estar, o (a) Educador social precisa conscientizar-se que educação,
seja ela formal ou informal é uma prática eminentemente política. Paulo Freire,
nosso principal educador brasileiro orientou que “não posso ser se os outros
não são; sobretudo não posso ser, se não contribuo para que os outros sejam (Freire
in Streck:2008).
Educar é um ato político, o educador
social estuda, organiza, propõe, realiza e avalia a suas práxis com a
finalidade de potencializar a inclusão política e social do educando. Neste
sentido Freire dizia que o educador precisa ter clareza em “torno de, a favor
de quem e do quê, fazemos a educação” (Freire in Streck:2008), pois, tanto podemos perpetuar uma
condição, como transformá-la. Neste sentido, o (a) Educador (a) Social precisa
ser o (a) profissional da indignação, politizado (a) e que se envolva,
verdadeiramente na luta de um projeto emancipatório para os (as) educandos (as)
e na busca contínua de alternativas possíveis para transformar a realidade das
populações com a qual exerce o seu ofício.
Darcy Ribeiro dizia que só existem duas opções
nesta vida, resignar-se ou indignar-se. A opção dele sempre foi clara. A
indignação pode ser o combustível para afastar a descrença de que a realidade é
imutável. É na prática educativa consciente, elaborada intencionalmente que
estará presente a possibilidade de transformação. Uma das tarefas mais
importantes da prática educativo-libertadora
É propiciar condições em que os
educandos em suas relações uns com os outros e todos como o educador ensaiam a
experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico,
como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos,
capaz de indignar-se, porque é capaz de amar
(Freire in Streck:2008).
Indignar-se com a desigualdade é
possibilidade de amar e desejar transformar esta realidade por meio da
intervenção, das escolhas de como realizar a prática, da escuta e
principalmente do olhar atento, um olhar que repara as circunstâncias e busca
possibilidades.
Ao reparar a realidade, articula a
educação para a cidadania o que significa nela intervir, consciente dos diretos
e deveres individuais e coletivos de seus educandos(as). A cidadania só é
alcançada no exercício do debate reflexivo da sua condição no mundo. Se “o
mundo é inacabado, se a realidade não é, a realidade está sendo”
conscientizados podemos transformá-lo. (Freire in Streck:2008).
O (A) Educador (a) social, para além
da sua área de formação técnica específica, necessita também, mobilizar habilidades
e competências para realizar ações de inclusão. Este (a) profissional será
responsável por realizar projetos de áreas diferenciadas que na maioria das
vezes envolve arte, cultura, esporte, informática entre outros que potencializem
a auto estima do (a) educando (a), bem como a inclusão para a cidadania plena.
Deste modo, são imprescindíveis na sua prática cotidiana habilidades como:
·
Conhecer
o seu grupo de trabalho (ver, reparar, enxergar);
·
Estar
aberto (a) a escuta e ao diálogo;
·
Ser
sensível às questões sociais;
·
Mediar
conflitos que surjam nas relações;
·
Trabalhar
em equipe;
·
Ser
comprometido (a);
Ter
paciência e esperança, pois, é muito comum no contexto do trabalho a
desesperança e o desejo do imediatismo.
A este respeito Freire argumenta que
Tropeçando na dor humana, nós nos perguntávamos em torno de um cem número
de problemas: Que fazer, enquanto educadores, trabalhando num contexto extremamente
adverso? Há mesmo o que fazer? Como fazer o que fazer? (Freire in Streck:2008).
Ao mesmo tempo, para trabalhar ainda
como Educador (a) social é preciso mobilizar saberes, competências
didático-pedagógicas (Schon: 2000; Gómez e Sacristán: 1998) fundamentais para a
tarefa que o (a) Educador (a) Social realiza no seu cotidiano, como:
a) Articulação pedagógica: conhecimentos cognitivos que o (a)
Educador (a) traz da sua formação profissional, do seu ofício: teorias do
conhecimento; diferentes concepções de ensino e aprendizagem; fundamentos em
relação aos objetivos em sua atividade; recursos e avaliação; critérios e
formas de selecionar, organizar e tratar didaticamente os conteúdos em função
dos objetivos propostos; realização dos registros, uso de recursos didáticos;
bibliografia entre outros;
b) Processos, conteúdos e princípios metodológicos: A forma
de ensinar as técnicas da sua área de conhecimento; conhecimentos que permitem a compreensão das variáveis
formais e não-formais de ensino e aprendizagem; práticas de convívio gerais da instituição que
regulam as relações e condutas do
público atendido e dos (as) Educadores (as),
entre si e com as outras atividades; formas de organização do espaço e
do tempo; modalidades organizadoras dos conteúdos; relação entre os objetivos e
de realização pessoal do público alvo; trabalho de interação em grupo; formas
de manejo - o difícil e o possível nas situações da aprendizagem para a
cidadania - de conflito, de comportamento; propostas que favorecem a inclusão;
função da intervenção pedagógica na aprendizagem; critérios de escolha e oferta
de recursos materiais; instrumentos de
planejamento, de avaliação, de registro;
c) Interação da equipe: saber agregar, cuidar e mobilizar;
interação centrada no conhecimento, desenvolvimento cognitivo e características
pessoais; relações educadoras (a) educando/ educador (a) / educador (a):
compreensão da natureza das relações; autonomia intelectual para refletir sobre
o que faz e sobre as consequências; mobilizar redes de atendimento;
d) Conteúdos de ensino: domínio e conhecimento do objeto de
ensino da sua atividade; conhecimento dos valores; ética e respeito à
pluralidade cultural, a diversidade, a sexualidade, credo entre outros;
conhecimento e argumentos para o debate sobre temas atuais; consciência dos
valores e concepções que veiculam em suas atividades, quando se relacionam com
o seu público e outros integrantes da comunidade; conhecer e discutir conteúdo
e conceitos de inclusão, cidadania, equidade social, mobilidade social, entre
outros; articular integradamente as atividades na busca da
transdisciplinariedade; conhecer leis, direitos e deveres do público atendido;
e) Avaliação: concepções; finalidades; instrumentos; modalidades;
compreender como os (as) educandos (as); elaborar instrumentos para avaliar a
aprendizagem; quais as variáveis que podem interferir na avaliação; uso
adequado da avaliação; avaliação do ensino na atividade, do (a) educador (a).
Avaliação de efeito ou impacto. Avaliar as avaliações.
f) Procedimentos de produção de conhecimento: estimular que
todo (a) educador (a) aprenda a investigar, sistematizar e produzir
conhecimento, por meio de observação, análise, formulação de hipótese e
elaboração de propostas de intervenção e avaliação do seu fazer; estudo de
casos. Organizar dados, produzir e publicar artigos em revistas científicas,
congressos, seminários e mesas temáticas para comunicar o trabalho realizado
socializando, assim, a sua prática.
Para que estes saberes sejam úteis ao
(a) Educador (a) Social, esse (a) precisa atuar de forma inteligente, flexível
e contextualizada, produto de uma mistura integrada de ciência, técnica e arte.
Mais ainda, caracterizada por uma sensibilidade, criatividade, que permita ao
(a) profissional, agir em situações variadas, complexas e indeterminadas
(Schön: 2000). E nesse contexto, a elaboração e a construção do conhecimento se
dará na ação. Ao mesmo tempo em que se exercita a reflexão na ação, a reflexão
sobre a ação e, finalmente, a reflexão sobre a reflexão na ação (Schön:2000),
porque na maioria das vezes não existe um manual de registros de tantas
situações problemas que se apresentam no cotidiano deste (a) profissional.
Além disso, variadas são as
atividades burocráticas do dia a dia tais como:
1.
Conhecer
a Proposta Político Pedagógica da instituição;
2.
Estudar
o Projeto da qual a sua atividade será inserida;
3.
Elaborar
Plano de ação anual (com objetivos; avaliações de atividades e de impacto,
orçamento);
4.
Elaborar
a Agenda de atividade (Semanais ou quinzenais);
5.
Realizar
registros de frequência;
6.
Registrar
dados da frequência;
7.
Participar
de estudos de casos;
8.
Comparecer
às reuniões de gestão e pedagógicas;
9.
Estudar
e escrever sobre a sua experiência;
10.
Participar
de encontros de qualificação continuada.
Em relação a este último, a
experiência tem mostrado a importância da formação continuada para o
crescimento profissional do (a) Educador (a) Social, e dos trabalhos nas
instituições. Esta qualificação precisa ser realizada periodicamente, quando
gestores e a equipe de trabalho identificam situações emergentes, como a necessidade
da ampliação de um conhecimento específico que se encontra frágil ou
contraditório no grupo, subjetividades característica do público atendido, alinhamento
de um conceito com variadas perspectivas na equipe, como por exemplo o da
indisciplina, desrespeito, entre outros.
Enfim, estas são algumas
considerações, de um tema muito mais abrangente e cheio de especificidades relativo
à prática e profissionalização do (a) Educador (a) Social que inserimos aqui, para
uma rápida reflexão e quem sabe, aprofundamento em outros encontros. Espero,
ainda, que ofereça ao (a) Educador (a) Social se reconhecer e fortalecer como
profissional humanista e libertador, e principalmente que usa o conhecimento
para realizar uma aprendizagem significativa para o (a) educando (a) ser mais dada a realidade vivida.
Como Freire, a educação que acredito ser viável
com o público atendido, na sua maioria oriundos das periferias, não pode ser
diferente daquela com a qual elenquei conceitos para educar meus dois filhos e
é muito diferente dos processos de educação de domesticação e treinamento. É
“uma educação que busca desenvolver a tomada de consciência e a atitude crítica
frente à vida, graças à qual o ser humano escolhe e decide, liberta-o em lugar
de submetê-lo, de domesticá-lo, de adaptá-lo” (Freire in Streck:2008) mas,
principalmente, uma educação que o (a) faça feliz, integrado (a) à sociedade tendo como premissa
a ética, o respeito a si e ao outro.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de
Janeiro: Zahar,1998.
SACRISTÁN, J. Gimeno; GÓMEZ, A.
I. Pérez. Compreender e transformar o
ensino. Porto Alegre: ArtMed, 1998.
SCHÖN, Donald A. Educando o Profissional Reflexivo: um novo
design para o ensino e a aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2000
STRECK. Danilo; REDIN, Euclides;
ZITROSKI, José. Dicionário Paulo Freire.
Belo Horizonte: Autêntica,2008.
[1]
Pedagoga com Mestrado em Educação - Tecnologia e Comunicação - UFSC (2009) e
Mestrado em Educação - Arte e Cultura Catarina - UDESC (2003), Especialização
em Psicopedagogia - UNISUL (1999) e Graduação em Pedagogia (Orientação Educacional)
- UDESC (1997). Atualmente é Coordenadora Pedagógica do Programa Socioassistencial
da Fundação Catarinense de Assistência Social - FUCAS respondendo às questões
pedagógicas do Programa “Campeões nas quadras e na vida” e responsável pelo
aperfeiçoamento continuado e acompanhamento do Educador Social. Tem experiência
na Educação Superior nas modalidades presencial e a distância com as
disciplinas de Didática, Prática Pedagógica/Prática de Ensino (UDESC e UFSC),
Estágio supervisionado presencial e EAD, Alfabetização, Planejamento e
Currículo (UDESC, UFSC e FACVEST) e Psicologia da Aprendizagem (UNIVALI), com
orientações de TCCs e de trabalhos de Pós-graduação. É pesquisadora do
imaginário político das juventudes. Participou da equipe de Pesquisa
MEC/UFSC/LANTEC do Pró UCA - Projeto um computador por aluno (2011-2013) orientando
trabalhos de Professores da rede pública do estado de SC. A convite do MEC,
atuou no Projeto Alfabetização Solidária. É membro do Participatório em Rede da
Secretaria Nacional da Juventude desde 2013.
Contatos: marilene@alencastro.com.br -
Cel: (48) 984128600
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